Mulheres com Deficiência pela Inclusão Já!

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terça-feira, 27 de junho de 2017

BOTECO DA DIVERSIDADE: SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA - Capítulo 1

Queridas e queridos, vamos publicar - em capítulos - um importante artigo sobre sexualidade e deficiência escrito por Ana Rita de Paula para o grande encontro realizado no SESC Pompéia em que Leandra Migotto Certeza esteve presente. 

Aproveitem a ótima reflexão de aspectos fundamentais sobre o assunto escrito tão bem de forma clara e certeira! Compartilhem e comentem!  

E aguardem a cobertura jornalística sobre o Boteco da Diversidade aqui em nosso blog... 


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Por Ana Rita de Paula em 16/05/2017


“Assim que quebrei o pescoço, uma de minhas maiores preocupações era a de não poder fazer mais sexo. Aliás, não voltar a ter prazer é um assunto que aflige muita gente que se depara com uma deficiência. Comigo não foi diferente. Por isso, na dúvida, quis tirar a prova rápido.  Fiz sexo na UTI”.

“A maioria dos meus namorados infelizmente eram cegos (risos). Videntes querem proteger demais e não gostam muito de sair com a gente em público, mas um namorado vidente pode me proporcionar muito mais, podemos passear de carro, sair mesmo que esteja chovendo, é a mais pura realidade”.
“Calma gente, não está doendo, está tudo bem”. Era dessa forma que M. G. A., que tem síndrome de Down, tentava acalmar os pais e os dois irmãos ao seguir para uma maternidade, onde daria à luz a sua primeira filha”,

“Eu, um menino surdo, tinha um primo que ficava junto comigo e que acabou tendo relação sexual comigo e eu fui criado junto com ele, mas eu não entendia nada daquilo e desde criança esse meu primo tinha relação sexual comigo. Eu fui entendendo...Eu gostei da relação homossexual. Desde o início eu gostei muito e eu fui percebendo o jeito feminino. Eu fui querendo tanto ser uma menina, eu sentia esse desejo, esse sonho de ser mulher, sempre eu tive esse desejo feminino”.

Certamente, você leitor, já se indagou se as pessoas com deficiência física têm desejo sexual e se fazem sexo. Como as pessoas cegas namoram. Qual o ideal de mulher que os homens cegos têm. É razoável e prudente que uma mulher com deficiência intelectual seja mãe? As pessoas com deficiência intelectual podem ter filhos normais? E, há pessoas com deficiência homossexuais?

Apesar de termos milhões de perguntas sobre deficiência, sexualidade e sobre sexualidade e deficiência estes temas são muito pouco discutidos, sendo desconfortável, ainda hoje, falar sobre isto.

Para compreendermos a articulação entre os temas da deficiência e da sexualidade precisamos partir do impacto que uma deficiência impõe à representação por parte da sociedade sobre as pessoas que possuem incapacidades. Muitas vezes, a própria ideia de ser pessoa é colocada em dúvida nestes casos.Conforme salienta Skliar (2010), “ser ouvinte é ser falante e é também ser branco, homem, profissional, letrado, civilizado. Ser surdo, portanto, significa não falar – surdo mudo – e não ser humano” (p. 21).

A deficiência (com qualquer tipo de incapacidade) é mais uma característica utilizada para estabelecer desigualdades entre as pessoas “diferentes” e as pessoas “normais”, idealizadas, com um jeito de ser que se coaduna com um padrão de homem ideal. Na verdade, padrão este, inexistente, construído para alicerçar relações de poder.

Mas, efetivamente, quais as características que nos tornam humanos? Embora existam diversas respostas para esta pergunta, três características aparecem sempre quando nos questionamos sobre a natureza humana.

Nós humanos somos seres históricos, isto é, alteramos a natureza e nosso contexto de vida, mudando a nós mesmos neste processo, diferentemente dos animais que repetem indefinidamente os mesmos comportamentos, em uma relação fixa de dependência com o meio ambiente e seus instintos.

Para viver essa realidade, o fato de termos memória é fundamental. A memória é a capacidade de lembrar daquilo que tem significado especial para nós e nos permite aprender e evoluir. Por sua vez, a linguagem é peça primordial para a memória. É através da linguagem que nomeamos as coisas, emprestando significado a tudo que está ao nosso redor, no nosso exterior e, também às coisas que habitam dentro de nós. Entre estas coisas, o desejo, intimamente ligado à sexualidade, é mais uma característica que nos difere dos animais. O instinto dos animais é predeterminado e imutável, o desejo humano é plástico. Ele está na base do nosso desenvolvimento psíquico, emocional, cultural, social e político.

No dizer da filósofa brasileira Marilena Chauí,

“...a sexualidade não se confunde com um instinto, nem com um objeto (parceiro), nem com um objetivo (união dos órgãos genitais no coito). Ela é polimorfa, polivalente, ultrapassa a necessidade fisiológica e tem a ver com a simbolização do desejo. Não se reduz aos órgãos genitais (ainda que esses possam ser privilegiados na sexualidade adulta) porque qualquer região do corpo é suscetível de prazer sexual, desde que tenha sido investida de erotismo na vida de alguém, e porque a satisfação sexual pode ser alcançada sem a união genital” (Chauí, 1984, p.15).

Corpos deficientes, desviantes, diversos e desafiadores

É importante lembrar que o corpo é o espaço comum da vivência da sexualidade e da deficiência simultaneamente.Nós conhecemos nosso corpo ao andar, fazer amor, ao nos lavar, do mesmo modo que o conhecemos através da dor, da doença e das emoções.

O Corpo é o que possuímos de mais privado e simultaneamente é o que temos de mais público.É através do corpo que somos percebidos, aprovados ou reprovados pelos outros. Ele é mais do que um feixe de ossos e músculos e, embora, seja no corpo material que sentimos prazer, a sexualidade se constrói e se expressa no corpo simbólico.O corpo simbólico é a nossa experiência cotidiana de existir.

Essa experiência corporal faz parte de nossa identidade/subjetividade e é influenciada pela cultura, ou seja, depende do lugar onde vivemos e dos comportamentos, valores e regras que compartilhamos. Assim, é muito diferente a experiência de ser mulher no Brasil e no Oriente Médio, por exemplo. Da mesma forma, experimentamos situações de maior capacidade ou incapacidade em países mais desenvolvidos, nos quais a questão da acessibilidade está melhor resolvida, do que em países mais pobres onde a questão da sobrevivência é o tema mais candente para as pessoas com deficiência.

O corpo, tal como a deficiência também é histórico, altera-se no tempo. Ser deficiente na Idade Média implicava em ser alvo de torturas públicas por apresentar sinais de um corpo que expressava o pecado da carne. A deficiência era explicada como determinação da vontade divina ou por influência demoníaca. Atualmente, ainda que estejamos longe de uma sociedade inclusiva, tentamos disseminar a ideia de que a deficiência é uma expressão da diversidade humana e, como tal, não deve ser encarada como infortúnio individual.

Trata-se de uma condição social, tal como a condição feminina ou a condição étnica racial. Desse modo, podemos afirmar que o fato do organismo apresentar anomalias ou disfunções não é justificativa para a discriminação ou o preconceito, base das restrições de participação social e política das pessoas com deficiência. Do mesmo modo que não podemos atribuir à presença de genitais e órgãos reprodutivos femininos o fato das mulheres, no Brasil e na maioria dos países, ganharem menos do que os homens em funções idênticas no trabalho, podemos aplicar este raciocínio à condição da deficiência. Portanto, é possível afirmar que o corpo e a sexualidade são dimensões políticas e têm a força potencial de transformar indivíduos, grupos e sociedades.

A construção de qualquer condição social objetiva a perpetuação de relações de poder assimétricas, na medida em que considera “anormal”, desqualificando aquele que foge do padrão e, justificando, assim, os tratamentos desiguais e injustos. Esta afirmação nos leva a concluir que existe um ”chão” comum a todas as pessoas que pertencem aos diferentes grupos minoritários. Falar de transexuais, negros, mulheres é tocar neste solo comum.

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Continuem lendo este artigo nos links abaixo:

Capítulo 2:

https://coletivomulheresinclusao.blogspot.com.br/2017/06/boteco-da-diversidade-sexualidade-e_28.html

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