Queridas e queridos, vamos publicar - em capítulos - um importante artigo sobre sexualidade e deficiência escrito por Ana Rita de Paula para o grande encontro realizado no SESC Pompéia em que Leandra Migotto Certeza esteve presente.
Aproveitem a ótima reflexão de aspectos fundamentais sobre o assunto escrito tão bem de forma clara e certeira! Compartilhem e comentem!
E aguardem a cobertura jornalística sobre o Boteco da Diversidade aqui em nosso blog...
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Por Ana Rita de Paula em 16/05/2017
“Assim que quebrei o pescoço, uma de
minhas maiores preocupações era a de não poder fazer mais sexo. Aliás, não
voltar a ter prazer é um assunto que aflige muita gente que se depara com uma
deficiência. Comigo não foi diferente. Por isso, na dúvida, quis tirar a prova
rápido. Fiz sexo na UTI”.
“A
maioria dos meus namorados infelizmente eram cegos (risos). Videntes querem
proteger demais e não gostam muito de sair com a gente em público, mas um
namorado vidente pode me proporcionar muito mais, podemos passear de carro,
sair mesmo que esteja chovendo, é a mais pura realidade”.
“Calma
gente, não está doendo, está tudo bem”. Era dessa forma que M. G. A., que tem
síndrome de Down, tentava acalmar os pais e os dois irmãos ao seguir para uma
maternidade, onde daria à luz a sua primeira filha”,
“Eu,
um menino surdo, tinha um primo que ficava junto comigo e que acabou tendo
relação sexual comigo e eu fui criado junto com ele, mas eu não entendia nada
daquilo e desde criança esse meu primo tinha relação sexual comigo. Eu fui
entendendo...Eu gostei da relação homossexual. Desde o início eu gostei muito e
eu fui percebendo o jeito feminino. Eu fui querendo tanto ser uma menina, eu
sentia esse desejo, esse sonho de ser mulher, sempre eu tive esse desejo
feminino”.
Certamente, você leitor, já se indagou se as pessoas com
deficiência física têm desejo sexual e se fazem sexo. Como as pessoas cegas
namoram. Qual o ideal de mulher que os homens cegos têm. É razoável e prudente
que uma mulher com deficiência intelectual seja mãe? As pessoas com deficiência
intelectual podem ter filhos normais? E, há pessoas com deficiência
homossexuais?
Apesar de termos milhões de perguntas sobre deficiência,
sexualidade e sobre sexualidade e deficiência estes temas são muito pouco
discutidos, sendo desconfortável, ainda hoje, falar sobre isto.
Para compreendermos a articulação entre os temas da
deficiência e da sexualidade precisamos partir do impacto que uma deficiência
impõe à representação por parte da sociedade sobre as pessoas que possuem
incapacidades. Muitas vezes, a própria ideia de ser pessoa é colocada em dúvida
nestes casos.Conforme salienta Skliar (2010), “ser ouvinte é ser falante e é também ser branco, homem, profissional,
letrado, civilizado. Ser surdo, portanto, significa não falar – surdo mudo – e
não ser humano” (p. 21).
A deficiência (com qualquer tipo de incapacidade) é mais
uma característica utilizada para estabelecer desigualdades entre as pessoas
“diferentes” e as pessoas “normais”, idealizadas, com um jeito de ser que se
coaduna com um padrão de homem ideal. Na verdade, padrão este, inexistente,
construído para alicerçar relações de poder.
Mas, efetivamente, quais as características que nos
tornam humanos? Embora existam diversas respostas para esta pergunta, três
características aparecem sempre quando nos questionamos sobre a natureza
humana.
Nós humanos somos seres históricos, isto é, alteramos a
natureza e nosso contexto de vida, mudando a nós mesmos neste processo,
diferentemente dos animais que repetem indefinidamente os mesmos
comportamentos, em uma relação fixa de dependência com o meio ambiente e seus
instintos.
Para viver essa realidade, o fato de termos memória é
fundamental. A memória é a capacidade de lembrar daquilo que tem significado
especial para nós e nos permite aprender e evoluir. Por sua vez, a linguagem é
peça primordial para a memória. É através da linguagem que nomeamos as coisas,
emprestando significado a tudo que está ao nosso redor, no nosso exterior e,
também às coisas que habitam dentro de nós. Entre estas coisas, o desejo,
intimamente ligado à sexualidade, é mais uma característica que nos difere dos
animais. O instinto dos animais é predeterminado e imutável, o desejo humano é
plástico. Ele está na base do nosso desenvolvimento psíquico, emocional,
cultural, social e político.
No dizer da filósofa brasileira Marilena Chauí,
“...a
sexualidade não se confunde com um instinto, nem com um objeto (parceiro), nem com
um objetivo (união dos órgãos genitais no coito). Ela é polimorfa, polivalente,
ultrapassa a necessidade fisiológica e tem a ver com a simbolização do desejo.
Não se reduz aos órgãos genitais (ainda que esses possam ser privilegiados na
sexualidade adulta) porque qualquer região do corpo é suscetível de prazer
sexual, desde que tenha sido investida de erotismo na vida de alguém, e porque
a satisfação sexual pode ser alcançada sem a união genital” (Chauí, 1984,
p.15).
Corpos deficientes,
desviantes, diversos e desafiadores
É importante lembrar que o corpo é o espaço comum da
vivência da sexualidade e da deficiência simultaneamente.Nós conhecemos nosso
corpo ao andar, fazer amor, ao nos lavar, do mesmo modo que o conhecemos
através da dor, da doença e das emoções.
O Corpo é o que possuímos de mais privado e
simultaneamente é o que temos de mais público.É através do corpo que somos
percebidos, aprovados ou reprovados pelos outros. Ele é mais do que um feixe de
ossos e músculos e, embora, seja no corpo material que sentimos prazer, a
sexualidade se constrói e se expressa no corpo simbólico.O corpo simbólico é a
nossa experiência cotidiana de existir.
Essa experiência corporal faz parte de nossa
identidade/subjetividade e é influenciada pela cultura, ou seja, depende do
lugar onde vivemos e dos comportamentos, valores e regras que compartilhamos.
Assim, é muito diferente a experiência de ser mulher no Brasil e no Oriente
Médio, por exemplo. Da mesma forma, experimentamos situações de maior
capacidade ou incapacidade em países mais desenvolvidos, nos quais a questão da
acessibilidade está melhor resolvida, do que em países mais pobres onde a
questão da sobrevivência é o tema mais candente para as pessoas com
deficiência.
O corpo, tal como a deficiência também é histórico,
altera-se no tempo. Ser deficiente na Idade Média implicava em ser alvo de
torturas públicas por apresentar sinais de um corpo que expressava o pecado da
carne. A deficiência era explicada como determinação da vontade divina ou por
influência demoníaca. Atualmente, ainda que estejamos longe de uma sociedade
inclusiva, tentamos disseminar a ideia de que a deficiência é uma expressão da
diversidade humana e, como tal, não deve ser encarada como infortúnio
individual.
Trata-se de uma condição social, tal como a condição
feminina ou a condição étnica racial. Desse modo, podemos afirmar que o fato do
organismo apresentar anomalias ou disfunções não é justificativa para a
discriminação ou o preconceito, base das restrições de participação social e política
das pessoas com deficiência. Do mesmo modo que não podemos atribuir à presença
de genitais e órgãos reprodutivos femininos o fato das mulheres, no Brasil e na
maioria dos países, ganharem menos do que os homens em funções idênticas no
trabalho, podemos aplicar este raciocínio à condição da deficiência. Portanto,
é possível afirmar que o corpo e a sexualidade são dimensões políticas e têm a
força potencial de transformar indivíduos, grupos e sociedades.
A construção de
qualquer condição social objetiva a perpetuação de relações de poder
assimétricas, na medida em que considera “anormal”, desqualificando aquele que
foge do padrão e, justificando, assim, os tratamentos desiguais e injustos.
Esta afirmação nos leva a concluir que existe um ”chão” comum a todas as
pessoas que pertencem aos diferentes grupos minoritários. Falar de transexuais,
negros, mulheres é tocar neste solo comum.
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Continuem lendo este artigo nos links abaixo:
Capítulo 2:
https://coletivomulheresinclusao.blogspot.com.br/2017/06/boteco-da-diversidade-sexualidade-e_28.html
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