Mulheres com Deficiência pela Inclusão Já!

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Outra possibilidade de ser mulher

                                            
Foto: Vera Albuquerque. Descrição da imagem: Leandra em pé com apoio de uma das suas muletas. Ela está vestindo uma roupa preta sensual, olhando para câmera, rindo com um olhar de desejo. Seus cabelos estão soltos e são castanhos, assim como seus olhos. A fotografia está em preto e branco em um fundo liso e branco com a sombra da imagem. 


Por Leandra Migotto Certeza*

A mulher é um universo profundo. Comecei a mergulhar nela aos 30 anos, quando meus desejos se afloram. Meu corpo sempre foi fraco, intocável. Meus desejos sempre estiveram no mais profundo poço do inatingível. 

Pecado tocar. Errado querer. Feio. Todos apontam. Todos comentam. Todos olham. Eu nunca pude dizer há que vim. O que sou. O que desejo. O que espero. O que luto. O que preciso mostrar.

Sempre fui tolhida. Sempre fui quebrada. Sempre senti dor. Sempre me senti presa a um corpo infantilizado. A um meio corpo. A uma meia criança-menina-mulher. A algo indefinido.

A busca por uma paz interior é como o por do sol que agora é lilás da minha janela. A linha é muito tênue. O medo é maior do que o azul claro que agora toma conta do céu.

Hoje quebro. Mas não o corpo. O que ele realmente é. A massa una entre alma e carne. Entre desejo e pudor. Entre vida e morte. Entre explosão e dor. Entre prazer e abrigo. Entre eu e muitas pessoas que moram em minha alma.

O corpo de uma mulher é múltiplo. É preciso mostrar ao mundo cada pedacinho que pulsa em corpos diferentes. São bocas em cabeças tortas, pernas grossas e curtas, bumbum arrebitado e torto, coxas arredondadas e cheias de ruguinhas infantis, púbis ardendo de tesão, seios pequenos em um tronco pequeno demais.

Não há cintura, não há quadril definido. Não há pernas finas e compridas. Não há balanço dos quadris. Não há andar sensual. Não há mini saia que leva ao mistério escuro como o céu que agora está em minha janela.

Não há uma mulher padronizada, robotizada, perfeita! Não há o esperado. Há outra possibilidade de ser mulher inteira com todos os sentimentos e sentidos que pulsam do corpo de alguém que sempre foi quem é.

Amar e ser amada trouxe força a minha alma para conseguir se libertar do corpo da sociedade que sempre me toliu. Da mãe interna que sempre me proibiu de ser eu mesma. Da mãe externa que sempre teve medo de me ver despedaçada.

Eu não posso engravidar, mas tenho o direito de ser mãe tendo uma deficiência física! Eu não posso dançar flamenco e tango, mas tenho o direito de me arrepiar quando vejo os corpos se unirem com a alma, a cada passo dos bailarinos. 

Queria estar no lugar de quem tem um corpo diferente do meu. Tenho o direito de desejar ser outra pessoa, e como é bom! Não preciso bancar a conformada, aceitar a roupa de heroína (que me colocaram) ou me afundar no poço da depressão. Escolhi o caminho do meio.

Eu não posso fazer amor com tanta volúpia, e em posições que sempre sonhei; mas posso ter orgasmos estupendos! 

Eu não posso sentir meu corpo mudar, ao abrigar um novo ser em meu ventre, mas posso amar – incondicionalmente – as crianças que habitam e habitarão o meu coração. 

Eu não posso amamentar um bebê quentinho em meus braços, mas tenho muita seiva escorrendo, pelos fios da minha alma, para alimentar espíritos sedentos.


*Leandra Migotto Certeza é mulher com deficiência física, jornalista desde 1998, consultora em inclusão, cronista, escritora e poeta. Membro do Coletivo Mulheres pela Incluão. 
Também escreve nos blogs: 

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