Mulheres com Deficiência pela Inclusão Já!

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segunda-feira, 3 de julho de 2017

BOTECO DA DIVERSIDADE: SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA - Último capítulo


Queridas e queridos, segue o quinto e último capítulo do artigo de Ana Rita de Paula sobre "Sexualidade e Deficiência" publicado no Boteco da Diversidade, evento realizado no SESC Pompéia em SP.

Leiam, comentem e compartilhem!

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Gênero e Deficiência

A discriminação das mulheres em geral, e das mais pobres, em particular é notória. Em nosso país, a expectativa de vida das mulheres é maior, mas isto não significa melhor qualidade de vida. Na maioria das vezes, ocorre um processo de envelhecimento repleto de dificuldades, discriminações e preconceitos. Conforme consta no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres:

“ o aumento das separações, seja por divórcios ou morte dos maridos, legam às mulheres vidas sem rendimentos para aquelas que foram apenas donas de casa ou responsabilidades pelo sustento da casa em função de sua aposentadoria. Umas são vulneráveis na velhice porque sempre foram dependentes dos maridos, enquanto outras o são devido a deficiências oriundas do processo de envelhecimento. As mulheres com deficiências, jovens ou idosas, enfrentam desafios maiores, com preconceitos e estereótipos, histórias de exclusão e violências que limitam suas vidas, dificultando o acesso ao mercado de trabalho, à saúde e à educação. Para uma efetiva mudança dessa realidade, elas devem ser inseridas no processo democrático, na vida cotidiana, no trabalho, na educação, nos mais variados serviços e equipamentos públicos. A perspectiva de acessibilidade para as mulheres com deficiência é uma das metas perseguidas pelas políticas. Estas políticas devem garantir segurança e autonomia, para que as mulheres com deficiência sejam inseridas em todas as esferas da vida pública e privada, sem serem alijadas de seus direitos e cidadania”.

A pessoa com deficiência, independente de gênero, por causa de uma história de marginalização, experimenta situações frequentes e variadas de desvantagens pessoais, grupais e sociais, tais como baixa autoestima, rejeição familiar e grupal, baixa escolaridade, desinformação em geral, desemprego ou subemprego, consolidando um ciclo de exclusão social.

Luciana Steffen localiza no tempo os Estudos sobre Deficiência, afirmando que estes:

surgiram entre os anos 1970 e 1980, a partir das lutas políticas das pessoas com deficiência, por vida independente, reivindicando seus direitos e tendo como principal eixo o modelo social da deficiência. Os Estudos sobre Deficiência começaram a se articular com os Estudos Feministas e com a categoria de gênero na década de 90, podendo um se beneficiar do outro. Tanto as teorias feministas/de gênero quanto os Estudos sobre Deficiência consideram a desigualdade imoral e lutam contra a opressão. Ambos os estudos denunciam a desigualdade, a discriminação e a opressão socialmente criada pelo corpo (sexo/lesão)”.

No Brasil, as mulheres com deficiência recebem um salário menor que as mulheres sem deficiência e que os homens com ou sem deficiência, e se encontram menos empregadas que os homens com deficiência. Segundo o IBGE, 60,3% dos homens com algum tipo de deficiência trabalham, enquanto apenas 41,7% das mulheres com deficiência trabalham, mesmo havendo mais mulheres com deficiência, afirma Steffen.

Outro aspecto na relação entre condição feminina e deficiência é o fato que a deficiência dificulta o processo de identificação das mulheres com seus pares sem deficiência. A deficiência e a condição feminina possuem representações sociais em comum que se intensificam mutuamente, como as questões de passividade, de carência e de dependência. Por outro lado, mulheres com deficiência estão distantes, sob a perspectiva da sociedade, dos papéis atribuídos às demais mulheres.
Steffen ainda afirma:

“As expectativas culturais das mulheres são: cuidar da casa, ser mãe, esposa e parceira sexual, e atualmente, trabalhadora, além de enfermeira, secretária, entre outros. Essas expectativas estereotipadas podem ser difíceis de alcançar para algumas mulheres com deficiência”. (...)

“Assim, as mulheres com deficiência se relacionam mais com homens com deficiência, e o número de divórcios é muito mais alto para mulheres que adquirem uma deficiência depois do casamento, do que para homens que adquirem uma deficiência depois do casamento”. (...)
Os tipos mais comuns de violência contra mulher com deficiência podem ser classificados como: negligência ou descuido; abuso físico; abuso psicológico; abuso sexual e exploração econômica”.

Inúmeros estudos comprovam que meninas e mulheres com deficiência são ainda mais vulneráveis, especialmente no que diz respeito à sexualidade.

Os resultados de um relatório recente do Banco Mundial/ Faculdade de Yale sobre HIV/AIDS e Deficiência (2006) chamam a atenção para a extrema vulnerabilidade das pessoas com deficiência nessa área. Estima-se que mulheres com deficiência correm três vezes mais o risco de serem estupradas do que mulheres sem deficiência. Outro dado indica que chega até a 70% os casos de abuso sexual de jovens com deficiência intelectual. A inexistência de programas de saúde sexual voltados para estas pessoas agrava esta situação de vulnerabilidade.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu artigo 6, sobre Mulheres, afirma que:

  1. Os Estados Partes reconhecem que as mulheres e meninas com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de discriminação e, portanto, tomarão medidas para assegurar às mulheres e meninas com deficiência o pleno e igual exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. 

  2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento, o avanço e o empoderamento das mulheres, a fim de garantir-lhes o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais estabelecidos na presente Convenção”. 

Entretanto, nem sempre a sobreposição de duas condições sociais como a de deficiência e a de mulher implicam no aprofundamento da discriminação e do preconceito.

Qualquer fenômeno humano é extremamente complexo, contendo aspectos contraditórios intrinsicamente. Estamos tratando de um sujeito que é construído socialmente e possui uma dimensão histórica, além de ser também um sujeito psíquico que atua não somente de forma consciente e cuja expressão da sexualidade está na base da subjetividade e não se encontra sob seu total domínio e controle voluntário.  

Cada sujeito se constrói de forma peculiar no mundo e possui uma vivência específica da deficiência, do papel de homem ou mulher, da sexualidade e de seu entrelaçamento no âmbito da experiência do corpo próprio. Desse modo, ao mesmo tempo em que a condição feminina e a condição da deficiência são dimensões que impõem uma dupla discriminação e uma sobre exclusão social, a vivência de expressões do corpo feminino pode significar para o sujeito um caminho de reconstrução do corpo próprio como experiência de prazer, de pertencimento ao mundo, de capacidade pessoal e de autoestima superior.

O feminismo intersecional, uma visão recente de alguns movimentos feministas, parece-me muito interessante, porque ele transforma objetos de estudo em sujeitos complexos, fazendo a interseção entre classes sociais, etnia, orientações sexuais, transexualidade, dentre outros aspectos, capturando as consequências da interação entre duas ou mais formas de “assujeitamento” como o sexismo, racismo, patriarcalismo e capacitismo. Ao trazer a questão da transversalidade das condições sociais, esta perspectiva amplifica o feminismo que, muitas vezes, traz mais as demandas das mulheres brancas e burguesas. Ela ressignifica os feminismos e traz para o centro dos debates as diversidades.

Talvez a construção de uma ponte que aproxime as mulheres com deficiência de sua condição feminina, ainda que esta signifique muitas vezes o reconhecimento de que se está submetida a situações de injustiça social, pode possibilitar o resgate da emancipação do sujeito feminino.


Caro leitor, eu poderia continuar conversando sobre deficiência, sexualidade e sobre a interseção destes temas indefinidamente, caso houvesse ouvidos infinitos. Porém, espero ter alcançado meu objetivo: interessá-lo e cativá-lo para este assunto. Caso você tenha desejo de continuar lendo e se informando a respeito, existem vários sites e blogs na internet que poderão guiá-lo em um caminho de aprofundamento reflexivo. Gostaria que você o fizesse e desejo-lhe momentos de aprendizado prazeroso.

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Capítulo 3:

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